O ENCONTRO CONSIGO MESMO A PARTIR DA ESPIRITUALIDADE FRANCISCANA
O processo de crescimento humano, psicológico e espiritual, quase que de modo geral, passa pelo encontro consigo mesmo. Isso significa um profundo autoconhecimento. Ter claro o que nos move: desejos, buscas, ideais, sonhos… E então, a partir dessa profunda dimensão existencial, estar cientes das nossas limitações e virtudes.
A partir dessa visão sobre si mesmo, no decorrer da vida, os encontros, experiências, vitórias, decepções, alegrias e tristezas, vão nos proporcionando o discernimento sobre o caminho a seguir.
Na vida de São Francisco, especialmente no início, percebe-se este encontro. Parece que o encontro mais profundo consigo mesmo foi na derrota da guerra entre Assis e Perugia, onde ele se tornou prisioneiro e se deparou com a sua própria limitação
Durante a guerra entre Perugia e Assis, Francisco com muitos de seus concidadãos foi aprisionado e encarcerado em Perugia; mas como era nobre em costumes, foi colocado como prisioneiro entre os cavaleiros. Certo dia estando seus companheiros de prisão dominados de profunda tristeza, ele, de natural folgazão e jovial, não se mostrava abatido, mas alegre. Por isso, um dos companheiros o chamou de louco, porque se alegrava mesmo estando na prisão. Francisco lhe respondeu em tom convicto: “O que pensais de mim? Ainda serei venerado pelo mundo inteiro”. Como um dos soldados tivesse injuriado a um companheiro e. por esta causa, todos dele queriam afastar-se, só Francisco não lhe negou a amizade e exortou aos outros a fazerem o mesmo. Passado um ano, reestabelecida a paz entre as cidades mencionadas (LEGENDA DOS TRÊS COMPANHEIROS, CAP II,4).
O tempo na prisão contribuiu para essa reflexão sobre si mesmo. Assim, ele começa a buscar um sentido para sua própria existência. Do mesmo modo como acontece em nossa vida, vivemos vários encontros, ora desafiadores e ora encontros alegres. Mas, os encontros que realmente nos desafia são os encontros que nos faz crescer espiritualmente e humanamente.
A partir deste momento Francisco já não era mais o trovador da juventude e estava em busca de um ideal que, a princípio, não conseguia entender bem. Só tinha certeza de que seu sonho de se tornar Cavalheiro com honrarias, havia se desfeito, assim como seus sonhos de glória mundana.
A prisão o fez amadurecer sobre sua busca. Os projetos ambiciosos de seu pai não mais lhe diziam nada. Deste modo, Francisco estava sozinho, incompreendido por seus amigos, sua família e, desfeitos seus ideais cavalheirescos. Na verdade Francisco fazia a experiência do abandono e da incompreensão.
Neste momento da vida de Francisco, podemos ver uma mudança de vida e podemos também entender como uma conversão. Neste caso, uma volta para Cristo e uma profunda renúncia de seus próprios sonhos de honra cavalheiresca. Significa uma mudança moral e sentimental, pela qual alguém renuncia a sua conduta anterior, ao seu egoísmo, a sua vontade própria e volta-se para Deus e para o próximo procurando adequar os sentidos de sua vida aos valores do Evangelho.
Ele passou por uma metanoia, que neste caso, exprime mais que um simples arrependimento que lamenta o passado. Mas, uma mudança de mentalidade, como que um novo nascimento. Metanoia significa, pois, um processo de uma mudança interior em que uma vida precedente começa a desfazer-se para refazer-se numa unidade harmoniosa em nível mais elevado.
A Conversão em Francisco foi processual. Assim como nós podemos ver na Parábola do Filho pródigo as três etapas para a Conversão.
- a) O filho reconhece que é pecador: “Pai, pai pequei contra o céu e contra ti”. (Lc 15,18);
- b) Decide voltar, converter-se: “levantar-me-ei e irei ao meu Pai” (Lc 15,18);
- c) Encontro com o Pai, “Estreitou-o nos braços e beijou-o” (Lc 15,20).
Por tanto converter-se na linguagem franciscana, não significa tão somente sair do pecado, mas dar uma nova direção a vida, pondo como fundamento o próprio Deus. É uma conversão em crescimento que São Francisco bem compreendeu. Ainda no fim de sua vida ele se considerava o maior pecador do mundo e percebeu que a conversão era contínua. Isso porque compreendeu o amor de Deus: ‘O Amor não é amado’. Irmãos, vamos começar de novo, dizia ele, pois até agora pouco ou nada fizemos. (ICel 103; LM 14,1).
Frei Renildo Cirineu da Silva, ofm