Vivência Quaresmal
A quaresma mais uma vez se inicia e proporciona-nos o chamado a prática das penitências e dos jejuns, características da vida ascética, e tão praticada por nosso pai São Francisco. Esta vida Ascética, por sua vez, é riquíssima e extremamente frutuosa para quem a vive e para toda a Igreja, se dá através de uma série de exercícios. A prática deste modo de vida visa fortificar a carne que com a concupiscência está fadada ao pecado. E possui alguns fundamentos extremamente importantes, ou melhor, necessários para a sua vivência.
O primeiro fundamento deve ser inquestionavelmente a pobreza de espírito, pois só pode almejar este modo de vida aquele que se reconhece como um “espírito inferior” dilacerado pelas marcas do pecado, que reconhece suas fraquezas e sabe como constantemente, por meio delas caminha para a prática do pecado, que tanto ofende o coração de nosso divino esposo e nos conduz a novas práticas daquelas coisas que ao invés de nos elevar para junto de Deus acabam por nos conduzir ao fechamento egóico e centralizado em si.
A segunda parte deste modo de vida deve ser a abertura a carnalidade, onde o indivíduo acolhe tudo que ao corpo pertence e lhe proporciona, pois sabe que, como parte para chegar a vida futura, a carne é quem oferece, de certo modo, o alimento (tanto carnal quanto é o meio para o espiritual), nos permite o contato com a criação dando nos acesso as marcas de Deus nela presente e age pela ação do espírito. É na carne, também, onde o indivíduo cresce na graça, pois somente vencendo as tentações que a ela pertencem pode estar aberto a tal mérito.
O terceiro fundamento é a vontade de santidade, onde o indivíduo já não mais quer viver a mercê de seus próprios e incontroláveis desejos. Mas busca exercícios, e dá sentido real a eles, para fortalecer o corpo, a mente e o espírito. Esses, no que lhe concerne, vai moldando vagarosamente os desejos, não de forma que eles deixem de existir, mas que se tornem como uma caixa de som em meio a uma multidão de surdos, se soarem muito alto eles até podem sentir as vibrações, mas nunca ouvirão seu clamor. E assim, exercitado nessas práticas possa permanecer na graça santificante.
A partir, destes fundamentos a vida ascética pode e deve gerar frutos na vida individual e só o faz se estiver sendo praticada conforme o âmago deste modo de vida. Pois, se não o for, é apenas uma enganação do indivíduo para consigo mesmo ou talvez até mesmo uma vida de aparências, ou um subterfugio para certos desvios de caráter.
Contudo, deve-se ficar claro que, aquele que vive desta forma, fortalece em um fundamento o outro, se torna cada vez mais pobre à medida que mais abraça sua carnalidade e quanto mais a abraça mais tem o desejo de santificação. Agindo assim, o ser acolhe inteiramente a si e torna-se visivelmente cortês, pois sabe acolher o mundo em seus problemas da forma que se apresenta a ele, os outros da forma que o são e os inimigos com um cumprimento acolhedor junto a uma mensagem de paz e de bem.
Frei Matheus Fancheli, OFM